The Caricature of Discomfort
A powerful and painful declaration of the reality of living with disability.
From Azuos Naej
English Translation here.
A Caricatura Do Incômodo
Incomodo: ligeira alteração de saúde; mal-estar, indisposição, não é cômodo, confortável ouaconchegante.
Instintivamente sabemos o que fazer com um incomodo, e na maioria das vezes é muito simples: é só virar a cara e elevar o coração e a vontade para as belas paisagens que criamos em nossa mente. Sim, o escapismo é nossa principal ferramenta de defesa, e com ela nos elevamos ao patamar de humanos, pessoas, indivíduos, cidadãos… Nossa mentalidade é formada pela classe média, que o ideal está em toda parte dizendo o que devemos ser e fazer, eliminado o imperfeito. Nascemos marcados em um tipo de predestinação, não no sentido místico, mas pela probabilidade social muito bem ordenada apesar de parecer um caos. De onde viemos diz muito de nós e impregna na carne, nervos, tecidos e órgãos. A adoração do belo é dos melhores escapismos que a humanidade inventou e nesse mundo que vivemos isso é o mais importante, apesar de o discurso dizer a mesma merda moralista que tem uma palavra tão linda que dá vontade de tatuar na testa- igualdade.
Quantos incômodos por dia evitamos indo para aquele paraíso em que somos os vencedores? Mas pra vencer tem que ter o belo, vivenciá-lo e fazer parte dos belos. O feio só tem valor se se submete a alguma norma, se tornando uma caricatura, e estamos nessa época. Desgastamos a beleza com nossos discursos, o feio cotidiano as vezes é colocado em certos lugares para observarmos uma beleza inexistente, que só usando a força do cinismo dá para suportar o ideal decadente jogado na cara.
O feio está em toda parte, de certa forma somos feios, mas as inúmeras maquiagens nos dão a sensação de conforto.
Não superamos nossos corpos, eles ditam a essência do ser, talvez porque somos viciados apenas em ver. Parece o único sentido que possuímos, apesar de usarmos as palavras elas pouco importam em comparação a essas duas bolas que temos em baixo da testa, bolas que lacrimejam e que não queremos muito esse líquido salgado saindo delas. O que você quer ver, o que procura no espelho, encontrou? Se não encontrar é só não olhar e desviar os olhos. Tarefa fácil, mas as vezes o medo vai se acumulando até virar um esgoto pronto para estourar, quando não somos capazes de suportar o peso de ser caricatura e não nos deixam estar entre os eleitos (olha que são muitos) só nos resta a tarefa mais difícil que é abandonar os olhos e fazer uma imersão introspectiva, e aí vem as malditas perguntas, tu se pergunta porque é o que é, e porque não faz parte, aí tu descobre que é proposital pessoas como você estar onde estar e ter que conviver com a solidão, aí tu se olha no espelho, são tantas coisas que não deveriam estar nesse lugar, os olhos não são claros, a boca e o nariz não são como você se imaginava, a imersão no corpo não para ainda mais que a todo momento você é lembrado que tem um e precisa de manutenção sempre no ideal do belo. Mas e quando a caricatura é ainda mais borrada ao ponto de nem se parecer com algo humano? Você pode falar como os eleitos, se vestir igual e ser tão capaz quanto eles, mas seu lugar de origem e seu corpo vão te empurrar para fora do paraíso, a termos muito claros para a exclusão e uma lista enorme, a caricatura humanoide é rotulada de deficiente físico, e seu corpo não é atlético e sexy como milhões de propagandas despejadas toda hora, você usa alguma prótese ou tutor numa das mãos ou pernas ou nas duas, tu não anda direito se arrastando por aí e há várias formas de se arrastar de joelhos, arrastando a bunda, de quatro… inúmeras posições que marcam o corpo, é uma vida de cicatrizes diversas. A vida passa a ser uma tentativa de se curar, pois quando você se arrasta arrasta os olhos e as bocas para si, a boca entortando de risadas ou nojo, arraste-se todo dia e todo dia as mesmas bocas e olhos. A sua forma de andar diz qual porta ou escada você pode usar, se você depende de uma cadeira de rodas sabe o que estou dizendo, mas ser cadeirante tem suas vantagens se seu problema é só as pernas atrofiadas. Você já reparou naquelas crianças dementes que babam e tem mal formação congênita, ou aquele vizinho que tem uma enorme cabeça por causa de hidrocefalia? Em que lugar eles estão na sua imaginação?
O ideal de belo hierarquiza qualquer realidade entre os não eleitos há eleitos, ainda mais se conseguir disfarçar sua caricatura, alguns como eu usa calça e evita ir em lugares que precise estar com menos roupa, temos a vantagem de nos integrarmos a sociedade fazendo tarefas idiotas, entrando em algum sistema de emprego que dará 10% de isenção a uma empresa fingir que tem preocupação social, mas na peneira só a caricatura menos borrada terá essa chance.
Você está só e sempre estará, mas a solidão é muito mais cruel se tu não tem atrativos para alguém, aí as bolas que estão abaixo da testa não param de lacrimejar, e na maioria das vezes que expressa descontentamento em público, ou tem a sorte grande de ter alguém escutando você, e você ouve que não tem problema, que a merda do mundo é assim mesmo, e que você é uma boa pessoa, e o que importa é o que você tem dentro, e é para parar de reclamar tanto porque você tem uma bela vida e tem piores. Você se pergunta se tem piores e imagina o que dizem para os piores. Os piores podem ser caricatura, eles tem esse direito?
Não ame ninguém porque não será correspondido, sempre vai existir uma barreira, ainda mais se estiver se arrastando. Mate a imaginação, sonhar apenas trás dor e sofrimento, no máximo você terá um quase, quem quer se relacionar com uma caricatura, quem sentirá compaixão ou desejará estar ao lado de um reptil humano? A solidão é a única companheira e ela é ciumenta e sorrirá na sua cara a cada tentativa frustrada ou sonho desfeito l. Acostume-se a estar só mesmo que venha a dor no peito te torturando, mesmo que a cabeça doa todos os dias e sua coluna se desfaça, a maior dor não é estar num ciclo de eleitos e sim de não ser amado, não possuir o respeito comum. A dor é outra companheira, essa é mais perversa, ela gargalha alto te apertando e moendo seus ossos, por mais esforço que faça não será humano, e você verá todos que conhece com suas vidas, tendo seus amores, lutas e desafios, mas você ainda está no mesmo lugar sendo infantilizado por não estar conformado, e será julgado, sendo rotulado de arrogante, anti-social (hoje em dia temos a vantagem de termos amigos imaginários nas redes sociais que é o ápice do anti-socialismo disfarçado em integração social), de não ver as coisas belas da vida, é esse belo que todos enxergam que está em tudo menos em você.
Azuos Naej
É um poeta, músico e cuidador de gatos de Salvador.
The Caricature of Discomfort
Discomfort: slight alteration of health; malaise, indisposition, not comfortable, pleasant or cozy.
Instinctively we know what to do with discomfort, and most of the time it’s very simple: just turn your face away, elevate your heart and will to the beautiful landscapes that we create in our minds. Yes, escapism is our main defense mechanism, and with it we rise to the level of human, people, individuals, citizens… Our mentality is formed by the middle class, that the ideal is everywhere, saying what we should be and do, eliminating the imperfect. We are born marked in a type of predestination, not in the mystical sense, but by the very well ordered social probability, although it seems a chaos. Where we come from says a lot about us and permeates the flesh, nerves, tissues and organs. The adoration of the beautiful is one of the best escapisms that mankind has invented, and in this world we live in, it is the most important, although the discourse says the same moralistic shit that has such a beautiful word that makes you want to tattoo on the forehead- equality.
How many troubles a day do we avoid by going to that paradise where we are the victors? But to win you have to have the beautiful, experience it and be part of the beautiful. The ugly only has value if it is submitted to some norm, becoming a caricature, and we are in that time. We wear beauty with our speeches, the ugly everyday is sometimes placed in certain places to observe a nonexistent beauty, that only using the force of cynicism can support the decadent ideal thrown in the face.
The ugly is everywhere, in a way we are ugly, but the volumous makeup gives us the feeling of comfort.
We do not overcome our bodies, they dictate the essence of being, perhaps because we are addicted only to seeing. It seems the only sense we have, although we use words they matter little in comparison to these two spheres that we have below the forehead, spheres that tear up and we don’t want much salty liquid coming out of them. What do you want to see, what do you look for in the mirror, did you find it? If you do not find it, just do not look, look away. Easy task, but sometimes the fear is accumulating and becoming a sewer ready to burst, when we can not bear the weight of being caricatures and not letting us be among the elected (see that there are many) we have only the most difficult task, which is to leave your eyes and do an introspective immersion, and here comes the damn questions, you wonder why it’s what it is, and why it’s not a part of life, then you discover that it’s purposeful for people like you to be where you are, to be lonely and have to live with loneliness. You look at yourself in the mirror, there are so many things that should not be there, the eyes are not light, mouth and nose are not as you imagined, immersion in the body does not stop even though every moment you are reminded that you have one body and it needs maintenance, always in the ideal of the beautiful.
But when is the caricature even more blurred, to the point that it does not even look like something human? You can talk like the elected, dress the same and be as capable as they are, but your place of origin and your body will push you out of paradise, to very clear terms for exclusion, and a huge list of them. The humanoid caricature is labeled physically disabled, and your body is not athletic and sexy like millions of advertisements dumped all the time, you wear some prosthesis or tutor on one or both hands or legs, you do not walk around right, dragging around, and there are several ways to crawl on the knees, dragging on the ass, on all fours… innumerable positions that mark the body, it’s a life of diverse scars.
Life becomes an attempt to heal itself, for when you drag your eyes and mouth towards you, your mouth twisting with laughter or disgust, crawl every day and every day the same mouths and eyes. The way you walk says which door or ladder you can use, if you depend on a wheelchair you know what I’m saying, but being in a wheelchair has its advantages if your problem is only the atrophied legs. Have you ever noticed those demented children who drool and have poor congenital formation, or that neighbor who has a huge head because of hydrocephalus? Where are they in your imagination?
The ideal of beauty hierarchizes any reality among the non-electable and the elected, even more if you can disguise their caricature. Some like me wear pants and avoid going places that requires wearing less clothing, we have the advantage of integrating society by doing stupid tasks, entering into some employment system that will give 10% exemption to a company pretending to have social concern, but in the sieve only the least blurred caricature will have that chance.
You are lonely and always will be, but loneliness is much more cruel if you have no attraction for someone, then the spheres that are below the brow do not stop watering, and most of the time expressing public discontent, or is lucky enough to have someone listening to you, and you hear that there’s no problem, that the world’s shit like that, and that you’re a good person, and what matters is what you have inside, and it’s for you to stop complaining so much because you have a beautiful life and some have worse. You wonder if you have worse and imagine what they say to the worst. The worst can be a caricature, do they have that right?
Do not love anyone because it will not be reciprocated, there will always be a barrier, especially if you are crawling. Kill the imagination, dreams only lead to pain and suffering, at most you will have almost. Who wants to relate to a caricature, who will feel compassion or will want to be next to a human reptile? Loneliness is the only companion and she is jealous and will smile in your face with every failed attempt or dream undone. Get accustomed to being alone even if the pain in the chest comes torturing you, even if your head hurts every day and your spine is undone, the greatest pain is not being in a cycle of electables but being unloved, not having the respect. The pain is another companion, this is more perverse, she laughs loudly squeezing and grinding your bones, no matter how much effort you make, you will not be human, and you will see everyone you know with their lives, having their loves, struggles and challenges, but you are still in the same place being infantilized for not rolling with the punches, and being judged, being labeled arrogant, antisocial (nowadays we have the advantage of having imaginary friends in social networks that is the apex of antisocialism disguised as social integration), of not seeing the beautiful things of life, it is this beauty that everyone sees that is in everything but in you.
Azuos Naej
Is a poet and a musician from Salvador, Brazil. He also takes care of cats.