“For me, there is a social disease that, I do not know if it is identified by science as “official” but, I usually call URBANCENTRISM. It prevents people from seeing beyond the structure of large cities, as if there was a huge dome around the metropolis that prevents access to other places, or that transforms other places into utopias disconnected from reality which can be accessed only from time to time in dreams”

From InfoGuerra

English Translation here.

Urbanocentrismo

Pra quem nasceu e cresceu na metrópole é bem comum a convivência com uma gigantesca diversidade e interatividade entre culturas e com uma vasta disponibilidade de informação circulando das mais diversas formas, assim como a rápida transformação dos costumes, das tecnologias, das ruas…

Pra quem nasceu e cresceu, e que veio ou vive nos interiores em que a urbanização não é tão latente, tudo isso é muito mais difícil de ser acessado, conquistado e assimilado. É por isso que damos tanto valor à coisas que pra muitas pessoas parecem ser minúsculas ou ridículas e que pra nós são grandiosas. Para os meus antepassados, a contemplação é algo fundamental e a fugacidade, a velocidade com a qual as coisas se desmancham na metrópole, muitas vezes é aterrorizadora. A valorização do que é construído de forma lenta, mas “bem feita”, observando os mínimos detalhes é muito mais importante do que se entupir de mil tarefas e informações e não conseguir dar conta de tudo. O que inclusive é fonte de diversas doenças modernas.

Para as migrantes e para os migrantes que vêm de uma realidade pobre do interior, a discriminação contra seus costumes, sotaque, cor, vestimenta, pensamentos e práticas é uma ameaça constante. Mas como a maioria se arrisca na Babilônia sem ter respaldo de alguém que pode fortalecer quando o bicho pega, acabam aprendendo à gingar, à dissimular, à jogar com essas discriminações, se adaptando ao que a nova realidade pede. Muitas e muitos acabam abandonando seus costumes com o passar do tempo e recarregam suas antigas práticas ao se reencontrarem com outras e outros migrantes. Outras e outros carregam consigo a melancolia somada com a sensação de derrota por não conseguir retornar pra casa com a missão cumprida e com a conquista nas mãos. Muitas e muitos acabam indo morar nas ruas, por falta de assistência. Muitas e muitos morrem, assassinados por uma violência urbana ao qual não estão acostumadxs. Algumas e alguns conseguem alcançar lugares de prestígio e experimentar e compartilhar privilégios já com a meia idade chegando, depois de terem doado toda uma vida de sangue e suor e comprometido todas as suas economias em parcelamentos extensos que lá na frente se tornam as dívidas que, se não houver cuidado, levam à falência.

Sinceramente, eu não conheço nenhuma família que veio de onde eu vim e de outros interiores que conheci que não tenham um histórico de batalha e sobrevivência em condições extremas e mantenho um pensamento de revolta e combate contra a discriminação direcionada à essas pessoas que são invisibilizadas no cotidiano da metrópole.

Pra mim, existe uma doença social que eu não sei se é identificada pela ciência tida como “oficial”, mas que eu costumo chamar de URBANOCENTRISMO, que impede as pessoas de conseguirem enxergar para além da estrutura das grandes cidades, como se houvesse uma enorme redoma ao redor da metrópole que impedisse o acesso a outros lugares ou que transformasse os outros lugares em utopias desconectadas da realidade e que só podem ser acessadas de vez em quando nos sonhos. Sonhos estes que dão origem às máfias turísticas que fazem das paisagens dos interiores um produto de consumo acessível para quem tem muita grana. Sonhos estes que transformam as nascentes dos rios em poços de veneno e chorume despejado pelo agronegócio que abastece a metrópole. Sonhos estes que escravizam a mão de obra de meus manos que tão disputando uma diária de pouco mais de 30 conto no monopólio da banana que abastece a metrópole, fazendo serviço triplo: batendo veneno, cortando cachos maduros e transportando até os caminhões.

Eu sou migrante e também sofro com as sequelas causadas pelo urbanocentrismo. Uma vez um mano me disse que “o conhecimento é extremamente importante, mas nós precisamos ter cuidado pra não viajar demais nas idéias e esquecer de nossas raízes”. Infelizmente, de alguma forma, também sou infectado por esta doença. Mas não posso deixar que ela tome meu corpo e minha mente por completo. Pra isso preciso manter meus pés no chão, próximos às minhas raízes. Sempre em contato com quem também é migrante, com quem veio e com quem vive na mesma realidade da qual eu vim. E mais do que isso, observar, estudar e tentar compreender a estrutura de dominação que força minhas conterrâneas e conterrâneos à abandonarem seu local de origem. Observar, estudar e tentar compreender a história e a ancestralidade dos lugares e das pessoas que me ensinaram à caminhar e a lutar por minha vida.


ZAT Cinzenta

Editora/produtora independente e selo de divulgação/distribuição de material subterrâneo e libertário.


Translation

Urbancentrism

For those born and raised in the metropolis, it is very common to live with huge diversity and interaction between cultures, with vast availability of information circulating in the most diverse ways, as well as the rapid transformation of behaviors, technologies, streets…

For those born and raised, and who came or live in the inland where urbanization is not so latent, all of this is much more difficult to be accessed, conquered, and assimilated. That’s why we give so much value to things that to many people seem to be tiny or ridiculous; for us they are great. For my ancestors, contemplation is fundamental, and fugacity, the speed with which things break down in the metropolis, is often terrifying. Valuing what is built slowly but “well,” observing the smallest details is far more important than clogging up a thousand tasks and information and failing to account for everything. This is also the source of several modern diseases.

For migrants who come from poor conditions inland [into the city], discrimination against their customs, accent, color, dress, thoughts, and practices is a constant threat. But as most take a chance in Babylon without having the backing of someone for support when things get rough, they learn to dribble, to dissemble, to play with these discriminations, adapting to what the new reality demands. Many end up abandoning their customs over time and recharging their old practices by rejoining other migrants.

Others carry with them melancholy of defeat for not being able to return home with the mission accomplished, and the conquest in hand. Many end up living on the streets for lack of assistance. Many die, killed by urban violence to which they are not accustomed.

Some manage to reach places of prestige and experience, and share privileges with middle age already arriving, after having donated a whole life of blood and sweat, and having compromised all their earnings in extensive installments, that in the end become the debts, that, if not careful, lead to bankruptcy.

Honestly, I don’t know of any family that came from where I came from, or other cities inland, that do not have a history of battle and survival in extreme conditions, and I maintain a revolt and anti-discrimination thought directed at those people who are invisible in the metropolis.

For me, there is a social disease that, I do not know if it is identified by science as “official” but, I usually call Urbancentrism. It prevents people from seeing beyond the structure of large cities, as if there was a huge dome around the metropolis that prevents access to other places, or that transforms other places into utopias disconnected from reality which can be accessed only from time to time in dreams. These dreams give rise to the tourist mafias that make the landscapes of the inland an affordable product for those who have a lot of money. These dreams turn the rivers’ springs into poison and sludge wells dumped by the agribusiness that supplies the metropolis. These dreams enslave the workmanship of my hands, that compete for a little more than 10 bucks (30 reais) daily in the Banana Monopoly that supplies the metropolis, doing triple service: surviving poison, cutting ripe chunks, and transporting to the trucks.

I’m a migrant and I also suffer from the consequences caused by Urbancentrism. Once a buddy told me that “knowledge is extremely important, but we must be careful not to travel too much in ideas and forget our roots.” Unfortunately, somehow, I am also infected by this disease. But I can not let her take my body and my mind completely. For this I need to keep my feet on the ground, close to my roots. Always in contact with who is also a migrant, with whom they came and with whom they live in the same reality from which I came. And more than that, to observe, to study, and to try to understand the structure of domination that forces my countrymen and women to leave their place of origin. Observe, study and try to understand the history and ancestry of places and people who taught me to walk and fight for my life.


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