Fighting Invisibility: Maria Lacerda and Lucy Parsons

“Anarchism has been a hostile political field to racially marginalized segments of the population, as virtually all fields were, and somehow still are. Analyzing why this is is essential so that we can unlearn this harmful behavior."

English Translation here.

Editors's note

This text was originally published in Brazilian Portuguese, on the second issue of the Enemy of the Queen magazine, alongside what we believe to be the first translation of Lucy Parson's text “The Negro" to Portuguese (BR). The date and place of her birth has been difficult to pinpoint. She probably had to lie about being of Mexican descent and born in Texas in order to legally marry Albert Parsons, a white man. But it is believed what she moved to Texas from Virginia with her enslaved mother and enslaver father as a child.

Media is a powerful thing. Autonomous publishing was essential in the 19th century and still is today. Visibility and empowerment is a matter of life and death — we must not forget that. Thank you for reading.

Combatendo a invisibilidade: Maria Lacerda de Moura

Quando ouvi falar da Maria Lacerda de Moura pela primeira vez, só consegui achar pequenos trechos de textos dela na Internet, e nada traduzido pro inglês. Quando finalmente voltei pro Brasil, procurei uma biblioteca anarquista com a esperança de poder pegar e ler algo dela em mãos. E foi exatamente isso que aconteceu. A edição de Serviço militar obrigatório para mulheres? Recuso-me! Denuncio! é épica; frágil e imortal ao mesmo tempo. A capa dura, áspera, vermelha, sem dúvida era mais clara e vibrante 80 anos atrás. As páginas duras, quebradiças e longe de ser brancas, nem sempre abrigam palavras, provavelmente por causa do método de impressão da época. E o cheiro de vida e história é o mais perto que chegamos, sem nos mexer, do que sentimos quando achamos a maior e mais velha árvore da floresta.

É necessário se acostumar com o português antigo. E pra mim foi desconfortável ler uma ideia de feminidade pouco queer (da época e infelizmente ainda existente hoje). Mesmo assim, o binarismo de gênero é abordado criticamente. O mais fascinante do livro é o feminismo interseccional tão a frente de seu tempo. Maria Lacerda reconhece o que hoje chamamos de feminismo branco; a mulher burguesa que não se preocupa com a justiça social, e a mulher que visa inserir-se no mundo machista da guerra e do Estado, ao invés de combatê-lo. Para ela, reconhecer o classismo e ser contra o Estado já eram coisas inseparáveis da ideia de ser contra o sexismo, isso mais que 50 anos antes de Crenshaw nos ter apresentado ao termo “interseccionalidade”.

É importante reconhecer que nós no Brasil consumimos ideias do “exterior” e invisibilizamos conhecimento e pensadoras daqui. O eurocentrismo é uma força multi-centenária que todos e todas nós internalizamos, independentemente de atuais afiliações politicas. Livros de Maria Lacerda de Moura não foram traduzidos, ou até mesmo republicados, enquanto textos de pensadores (predominantemente homens, brancos, ocidentais) são reproduzidos e traduzidos incessantemente por décadas. Não acredito em momento algum que isso seja associado à relevância histórica e política do trabalho dela, mas sim um resultado da inegável força de invisibilização histórica exercida pelo Patriarcado neo-colonial.

Lucy Parsons, assim como Maria Lacerda, é uma mulher que deve ser urgentemente removida da obscuridade. Esse ano, 2018, o New York Times admitiu que seu obituário, desde 1851, tem sido dominado por homens brancos, e criou um tipo de coluna dedicada a mulheres que foram negligenciadas e omitidas.

“[Q]uem é lembrado[(a)] – e como – inerentemente envolve julgamento. Olhar para trás nos arquivos obituários, portanto, pode ser uma dura lição de como a sociedade valorizava várias conquistas e conquistadores”. (Amisha Padnani e Jessica Bennett)

A desconstrução desse processo misógino e racista de julgamento de valor é muito recente. Está acontecendo tarde, e devagar. Portanto, é nossa responsabilidade interromper a invisibilização de mulheres, e negros e negras, da conjuntura política anarquista. Por que quando homens, predominantemente brancos, fazem afirmações políticas com as quais não concordamos, ainda os citamos como pensadores importantes? Enquanto mulheres, especialmente negras, não só não são citadas, não são vistas, e têm suas existências apagadas ou escritas na história da perspectiva de um homem.

A Inimiga da Rainha é a nossa iniciativa de combate à subjugação de mulheres revolucionárias; combate à invisibilização e silenciamento de nossas vozes, e das vozes de nossas ancestrais.

Combatendo a invisibilidade: Lucy Parsons

Lucy Parsons nasceu em 1851, provavelmente escravizada. Mais tarde entrou no movimento operário e se mudou para Chicago, a cidade onde morreu aos 89 anos de idade (em 1942). Ela escrevia para o jornal que seu marido Albert editava chamado The Alarm (“O Alarme”). Não só escrevia, mas organizava trabalhadores e era uma grande oradora.

Em 1886, ela foi uma figura primordial na luta épica anarcossindicalista que resultou na morte de 4 pessoas, 7 policiais, e onde vários foram feridos e presos: a Revolta de Haymarket. A “jornada de oito horas de trabalho" em Maio de 1886 foi um confronto fatal entre trabalhadores (as) e policiais- mãos do Estado capitalista. No fim de 1887, depois de um longo e doloroso processo legal de investigação, seu marido foi brutalmente executado, ao lado de 3 outras lideranças anarquistas e sindicais, por seu envolvimento na revolta- um fenômeno que até hoje é imortalizado no feriado de 1º de Maio, mas infelizmente não é propriamente lembrado.

Mesmo depois de tantas tentativas do Estado de interromper o trabalho dessa mulher, sua atuação política não se abalou. Em 1905 ela foi uma das fundadoras de um sindicato de extrema importância, o Industrial Workers of the World (“Trabalhadores Industriais do Mundo”), que até hoje deve nos servir como inspiração de organização revolucionária trabalhista, capaz até de unir forças socialistas e anarquistas.

Emma Goldman e Lucy Parsons tinham conflitos ideológicos que alguns acreditam ser geracionais. O feminismo de Lucy era fundado em princípios da classe trabalhadora, enquanto Emma abstraia o conceito e o aplicava a tudo e em qualquer lugar. Hoje podemos facilmente interpretar isso como uma disputa entre o feminismo interseccional e o feminismo branco. Para Lucy, a opressão do negro, do trabalhador e da mulher vem igualmente da conjuntura capitalista. Enquanto Emma acreditava na libertação da mulher em si, como algo isolado da teoria de classe. Alguns chamariam Emma de burguesa, enquanto outros chamariam Lucy de comunista que prioriza a luta classe sobre a da mulher.

Olhar pra história nos ajuda a evitar a constante reinvenção da roda como se fosse novidade. O que podemos reconhecer agora é que o Anarquismo tem sido um campo político hostil pra segmentos racialmente marginalizados da população, como praticamente todos os campos eram, e de alguma forma ainda são. Analisar o porque disso é essencial para podermos desconstruir e desaprender esse comportamento prejudicial. A incapacidade de reconhecer uma outra realidade é o que causou tanta animosidade entre essas duas grandes pensadoras anarquistas. Ser feminista sem ser anticapitalista e antirracista não significa nada, e se não esperamos de nossos e nossas pensadores e pensadoras um claro posicionamento em relação a isso, nós temos um problema. Um problema que manterá o campo ideológico anarquista ruidosamente burguês e branco.


Mirna Wabi-Sabi

é editora do site Gods&Radicals, e escreve sobre anti-capitalismo, decolonialidade, e feminismo.


Translation
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Fighting Invisibility: Maria Lacerda

When I heard about Maria Lacerda de Moura for the first time I could only find short excerpts from her texts on the Internet, and nothing translated to English. When I finally returned to Brazil, I looked for an anarchist library hoping I could hold a book of hers and read it. And that's exactly what happened. The edition of “Compulsory military service for women? I refuse! I denounce!" (Serviço militar obrigatório para mulheres? Recuso-me! Denuncio!) is epic; fragile and immortal at the same time. The hard, rough, red cover was definitely brighter and more vibrant 80 years ago. The thick, brittle and far from white pages do not always contain words, probably because of the printing method of the time. And the scent of life and history is the closest we come, without moving, from what we feel when we find the largest and oldest tree in the forest.

The old Portuguese takes some getting used to. And for me it was uncomfortable reading a less-than-​​queer idea of femininity (of the time and unfortunately still existent today). Even then, she approaches gender-binarism critically. The most fascinating thing about the book is the intersectionality so far ahead of its time. Maria Lacerda recognizes what we now call white feminism; the bourgeois woman who does not care about social justice, and the woman who seeks to insert herself in the sexist world of war and the State, instead of fighting it. For Lacerda, recognizing classism and being against the State were already inseparable from the idea of ​​being against sexism.

It's important to recognize that in Brazil we consume ideas from the “outside" and we invisibilize local knowledge and thinkers. Eurocentrism is a multi-centennial force that we all internalize, regardless of current political affiliations. Maria Lacerda de Moura's books were not translated, or even republished, while texts of thinkers (predominantly men, white, westerners) are reproduced and translated incessantly for decades. I don't believe at all that this is associated with the historical and political relevance of her work, but rather a result of the undeniable historical erasure of women of color within the neo-colonial Patriarchy.

This year, 2018, the New York Times admitted that its obituary, since 1851, has been dominated by white men. So they created a kind of column dedicated to women who were neglected and omitted.

“[W]ho gets remembered — and how — inherently involves judgment. To look back at the obituary archives can, therefore, be a stark lesson in how society valued various achievements and achievers."

(Amisha Padnani and Jessica Bennett, March 8, 2018)

The deconstruction of this misogynist and racist judgment of value is very recent. It's happening late, and slow. Therefore, it's also our responsibility to combat the invisibility of women, black, and indigenous peoples within the anarchist political landscape. Why when men, predominantly white, make political statements with which we do not agree, do we still call them important thinkers? While women, especially black women, are not only not cited, they are not seen, and their lives are erased or re-written from the perspective of a man?

The magazine The Enemy of the Queen; based in Salvador, Brazil; of which the 2nd issue was published this month, is an initiative to fight the subjugation of revolutionary women, and to combat the invisibilization and silencing of our voices, and the voices of our ancestors.

Fighting Invisibility: Lucy Parsons

Lucy Parsons, like Maria Lacerda, is a woman who must be urgently removed from obscurity. For the many of you who already know plenty about her, also know that it's due to the militant (DIY) efforts of very few of us in Brazil that some of her work is available in (BR) Portuguese and distributed at all. Her story has immense power for us here now, especially in the city known as the capital of the African Diaspora (Salvador), in a country on the brink of completely losing its faith in “democracy".

Reading the words written by a black anarchist woman born in 1851, probably enslaved, can send chills down one's spine. She entered the labor movement and moved to Chicago, where she wrote to the newspaper that her husband Albert edited called The Alarm. Not only did she write, but she organized workers and was a great public speaker.

In 1886, she was a prominent figure in the epic anarchist struggle where many were killed, wounded, and imprisoned: the Haymarket Affair. The demonstration of the “eight-hour movement" in May 1886 was a fatal confrontation between workers and the police - hands of the capitalist state. At the end of 1887, after a long and painful legal process of investigation, her husband was brutally executed, alongside 3 other anarchist and union leaders, for their involvement in the revolt - a phenomenon that until today is immortalized on the 1st of May, but unfortunately not thoroughly remembered.

Even after so many attempts by the state to interrupt this woman's work, her militancy was not shaken. In 1905 she was one of the founders of the Industrial Workers of the World, which to this day should serve as an inspiration for revolutionary labor organizations, capable even of joining socialist and anarchist forces.

When it comes to anarchist feminism, Emma Goldman and Lucy Parsons had ideological conflicts that some believe to be generational. Lucy's feminism was founded on working-class principles, while Emma applied the concept to the relationship between womanhood and love. For Lucy, the oppression of “the Negro", the worker, and the woman comes directly from Capitalism. While Emma believed in the liberation of the woman herself, as something separate from the class struggle. In other words, Emma was called bourgeois, while Lucy a communist who prioritized class struggle over that of the woman.

All this might be redundant to some of you, but looking at history from the perspective of others helps us avoid the constant reinvention of the wheel as if it were new. What we can now recognize is that Anarchism has been a hostile political field to racially marginalized segments of the population, as virtually all fields were, and somehow still are. Analyzing why this is is essential so that we can unlearn this harmful behavior. The inability to recognize another's reality is what has caused so much animosity between these two great anarchist thinkers. Being a feminist without being anti-capitalist and anti-racist means nothing, and if we don't expect from ourselves and our revered thinkers a clear stance on this, we have a problem. A problem that will keep the anarchist ideological field deafeningly bourgeois and white.


Mirna Wabi-Sabi

is co-editor of Gods&Radicals, and writes about decoloniality, feminism, and anti-capitalism.


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